domingo, novembro 07, 2010

[...]

- Como? O que você disse?

- É chegada a hora de fazer com a minha alma os mesmos experimentos que faço com o meu corpo.

[...]

segunda-feira, novembro 01, 2010

Eu posso acreditar

Eu bem que queria saber...
Onde foi parar a mágica do mundo.


Cadê aqueles seres que escreviam coisas importantes sobre tudo?
Os sentimentos viraram argamassa, como os seus sonhos. 
São pedaços de carne andando por ai. Ou parados, cansados, sem a mínima vontade de compartilhar o que realmente importa.


E eu? Onde foi mesmo parar a minha profundidade? Será que ficou naquele balcão de bar? Ficou no meio da noite junto com aquelas estrelas? Ficou no canto menos iluminado, aquele debaixo da árvore, no meio da grama do pátio que eu demoro tanto tempo para voltar? 
[...]
Eu a tive algum dia?




Eu sinto falta de sonhos, de verdades sinceras para acreditar.
Eu me sinto enjoada com as verdades esquisitas, jogadas de qualquer jeito, sem o mínimo cuidado. Eu me sinto perdida com as mentiras sem fim que acabam fazendo parte dessa grande ilusão que é a vida.


Nesse mundo de robôs vestidos de carne, eu sinto falta de alguém feito de poeira e sonhos para simplesmente ficar olhando. Sinto falta de sonhos pra sentir inveja. Sinto falta dos que se perderam.











- Sou capaz de acreditar em qualquer coisa. Você não faz a mínima idéia das coisas em que eu posso acreditar.
- Mesmo?
- Posso acreditar em coisas que são verdade e posso acreditar em coisas que não são verdade. E posso acreditar em coisas que ninguém sabe se são verdade ou não. Posso acreditar no Papai Noel, no coelhinho da Páscoa, na Marilyn Monroe, nos Beatles, no Elvis e no Mister Ed. Ouça bem... Eu acredito que as pessoas evoluem, que o saber é infinito, que o mundo é comandado por cartéis secretos de banqueiros e que é visitado por alienígenas regularmente -uns legais, que se parecem com lêmures enrugados, e uns maldosos, que muti lam gado e querem nossa água e nossas mulheres. Acredito que o futuro é um saco e que é demais, e acredito que um dia a Mulher Búfalo Branco vai ficar preta e chutar o traseiro de todo mundo. Também acho que todos homens não passam de meninos crescidos com profundos problemas de comunicação e que o declínio da qualidade do sexo nos Estados Unidos coincide com o declínio dos cinemas drive-in de um Estado ao outro. Acredito que todos os políticos são canalhas sem princípios, mas ainda assim melhores do que as outras alternati vas. Acho que a Califórnia vai afundar no mar quando o grande terremoto vier, ao mesmo tempo em que a Flórida vai se dissolver em loucura, em jacarés, em lixo tóxico. Acredito que sabonetes antibactericidas estão destruindo nossa re sistência à sujeira e às doenças, de modo que algum dia todos seremos dizima dos por uma gripe comum, como aconteceu com os marcianos em Guerra dos Mundos. Acredito que os melhores poetas do século passado foram Edith Sitwell e Don Marquis, que o jade é esperma de dragão seco, e que há milhares de anos em uma vida passada eu era uma xamã siberiana de um braço só. Acho que o destino da humanidade está escrito nas estrelas, que o gosto dos doces era mes mo melhor quando eu era criança, que aerodinamicamente é impossível pra uma abelha grande voar, que a luz é uma onda e uma partícula, que tem um gato em uma caixa em algum lugar que está vivo e que está morto ao mesmo tempo (apesar de que, se não abrirem a caixa algum dia e alimentarem o bicho, ele no fim vai ficar só morto de dois jeitos), e que existem estrelas no universo bilhões de anos mais velhas do que o próprio universo. Acredito em um deus pessoal que cuida de mim e se preocupa comigo e que supervisiona tudo que eu faço, em uma deusa impessoal que botou o universo em movimento e saiu fora pra ficar com as amigas dela e nem sabe que estou viva. Eu acredito em um universo vazio e sem deus, um universo com caos causal, um passado tumultuado e pura sorte cega. Acredito que qualquer pessoa que diz que o sexo é supervalorizado nunca fez direito, que qualquer um que diz saber o que está acontecendo pode mentir a respeito de coisas pequenas. Acredito na honestidade absoluta e em mentiras sociais sensatas. Acredito no direito das mulheres à escolha, no direito dos bebês de viver, que, ao mesmo tempo em que toda vida humana é sagrada, não tem nada de errado com a pena de morte se for possível confiar no siste ma legal sem restrições, e que ninguém, a não ser um imbecil, confiaria no sistema legal. Acredito que a vida é um jogo, uma piada cruel e que a vida é o que acontece quando se está vivo e o melhor é relaxar e aproveitar.
Ela parou, sem fôlego.
Shadow quase tirou as mãos da direção para aplaudir. 


(Deuses Americanos - N. Gaiman - Sam para Shadow)